Por: Janis Cassilia
Professora e pesquisadora do IHBAJA
É certo e assunto já discutido que o governo getulista do Estado Novo baseou-se na personificação do poder na figura do presidente, tratando-o como figura interessada em salvar a nação. Getúlio Vargas foi considerado o “pai dos pobres”. Por decretar direitos importantes para o trabalhador, como a Consolidação das Leis Trabalhistas. A ele eram endereçados inúmeras cartas pedindo auxílio. Eram solicitações de emprego, viagens, casas, remédios, etc. Uma simples visita do então presidente virava uma manifestação popular e patriótica.
Assim eram as visitas de Getúlio à Colônia Juliano Moreira. Inaugurada em 1924, durante as décadas de 40 e 50 recebeu incentivo financeiro federal para aumentar suas instalações e transformar-se em centro de excelência no tratamento psiquiátrico. Era o enorme hospital-colônia de Jacarepaguá que abrigava na década de 50 mais de 3 mil pacientes. A cada novo pavilhão, núcleo, hospital, ambulatórios ou outros edifícios e serviços, autoridades vinham para a instituição e realizavam as cerimônias de inauguração. Getúlio era um deles, na verdade, a figura mais importante, a que discursos eram proferidos em homenagem.
Em 1941, por ocasião de inauguração de obras do futuro núcleo Teixeira Brandão (para pacientes mulheres), uma série de cerimônias foram realizadas. A esses eventos compareceram autoridades e familiares, médicos e residentes das localidades próximas. Era uma verdadeira festa, a que personagens geralmente excluídos da sociedade tomavam parte, os enfermos. Fazia parte da propaganda governamental promover tais eventos e por isso não era incomum Getúlio caminhar por dentro da Colônia solicitando informações sobre as condições de vida dos internados. Até conversas com os mesmos eram registradas, isto é, com os doentes autorizados a caminhar pela instituição.
Essa presença do então presidente era tão marcante que os próprios internos da Colônia narravam em suas falas. Escreviam à Getúlio como indivíduos consciente de seus direitos como Amália*, internada com o diagnóstico de Epilepsia, que se dirigiu à Cascadura sem autorização médica, e enviou telegrama ao Gabinete do Presidente pedindo sua liberdade. A carta de Amália teve resposta e foi necessário que os médicos convencessem os representantes do Gabinete de que a mesma não poderia obter alta. Muitos ofícios foram trocados entre as instituições para que Amália tivesse alta. Ao presidente cabia aliviar e ajudar o cidadão que pedia auxílio coisa que no caso de Amália não se cumpriu uma vez que com o diagnóstico confirmado, o poder médico se sobrepôs ao poder do presidente.
O imaginário popular sobre Getúlio Vargas é riquíssimo. Seja como ditador ou como “pai dos pobres”, este presidente adentrou mentes sãs e ditas doentes em sua época. Amália* entre outros são apenas alguns dos internos da Colônia que falavam sobre o governante. Eles eram amantes, mães, amigos, padrinhos, afilhados, filhos, pessoas bem relacionadas com o presidente, que por sua vez intercedia por eles nas suas mentes, e fora delas também.
* Todos os nomes aqui mencionados são fictícios para preservar a identidade dos indivíduos. Os casos clínicos aqui mencionados integram a dissertação de mestrado da autora pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Fiocruz.
Janis Cassília é membro do IHBAJA. Graduada em História pela UFRJ. Mestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Professora da rede pública de São João de Meriti. Pequisa sobre a História da Psiquiatria no Brasil, com ênfase na Colônia Juliano Moreira (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira).
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