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Os donos da Barra da Tijuca

Atualizado: 28 de ago de 2023


Na imagem podemos ver uma foto muito antiga e já amarelada que traz a região da Barra da Tijuca nos primórdios se sua ocupação, com muitas montanhas e florestas que ainda dominavam o local. No rodapé da imagem pode-se ler o texto "Arruamento de terrenos na Barra, por volta de 1930"
Primórdios do Jardim Oceânico, década de 1930./ Fonte: http://www.multirio.rj.gov.br/index.php/leia/reportagens-artigos/reportagens/3608-barra-da-tijuca-o-sertao-que-virou-a-miami-brasileira.

Por: Leonardo Soares dos Santos.

Professor e pesquisador do IHBAJA.

 

O livro de Ayrton Luiz Gonçalves dedica valioso espaço para apontar personagens envolvidos com a questão fundiária da região que abarca os bairros da Barra da Tijuca e do Recreio.


Ao contrário do que muitos imaginam (inclusive o próprio Ayrton em alguns momentos do seu texto) a região da Barra e Recreio, em particular, da Baixada de Jacarepaguá, no geral, nunca foi um território vazio. Primeiro que antes da ocupação efetuada por colonizadores portugueses, vários povos indígenas habitavam a Baixada. Os topônimos são evidências incontornáveis desse tipo de experiência (Sernambetiba, Jacarepaguá, Curicica, Tijuca, Camorim, Itanhangá, Joatinga, Taquara, Pombeba, Marapendi etc.) .[1]


Além disso, a região foi extensivamente ocupada para o desenvolvimento de várias culturas e criações agrícolas (gado bovino, equino, suíno, caprino, bufalino, cana-de-açúcar, anil, legumes, hortaliças etc.). Esse tipo de exploração econômica, realizada seja por meio de grandes propriedades como de médias e pequenas, passaram a conviver a partir dos anos 30 com a instalação de empreendimentos imobiliários. Muitos deles foram atraídos pelas monumentais obras de saneamento efetuadas pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento – DNOS. Em tom épico, Ayrton L. Gonçalves descreve as transformações então operadas:


Boa parte das terras planas secas de hoje foram conquistadas pela drenagem do solo, fazendo com que as águas paradas se orientassem para as duas grandes lagoas: a de Jacarepaguá que, à medida que se aproxima do mar, tem as denominações de Camorim e Tijuca, e a de Marapendi, ligada à última delas por um longo canal extravasor, de um lado, e, do outro, com o canal das Taxas, que a comunica com a Lagoinha, que, por sua vez, tem ligação com o canal de Sernambetiba, hoje parcialmente bloqueado (p. 13).

Mas nota o mesmo autor que não foi apenas o órgão federal o responsável pela melhoria das “condições de salubridade da região”. Segundo Ayrton, os “proprietários de terras do local” tiveram grande papel na expansão urbana da região. Entre os 20 e 40 poucos se aventuravam ainda a implantar negócios imobiliários ali. O comércio se reduzia a alguns hotéis, botequins e restaurantes. Os investimentos de maior monta foram a construção do aeroporto de Jacarepaguá em 1928 e os loteamentos abertos pelas companhias Jardim Oceânico e Tijucamar. Elas foram estabelecidas nas “Glebas A e B da Fazenda da Restinga”. Mas tudo mudaria a partir dos anos 50. O avanço sobre as terras da Barra só cresceria uma década após a outra. Ayrton Gonçalves assim resume esse importante evento:


As condições geográficas adversas da região e as dificuldades causadas pela falta de infra-estrutura fizeram com que, até o final dos anos 50, a Barra da Tijuca, mais que o restante da Baixada de Jacarepaguá, hibernasse quase desconhecida e só, a partir da década seguinte, sobretudo nos anos 70, com a construção de vias adequadas de penetração, da implantação dos primeiros grandes empreendimentos imobiliários e do desenvolvimento das atividades comerciais, das quais o carro-chefe foi o Carrefour, começou a ficar evidenciada a necessidade de descentralizar a administração da Barra da Tijuca, pois o contínuo desenvolvimento da Baixada, com sua ocupação voltada para a construção de moradias, para o comércio e para o lazer, impunha a decisão da criação de uma Região Administrativa exclusiva para a área, RA XXIV, de limites definidos e atribuições específicas (p. 14).

Imagens: 1. Correio da Manhã, 5/3/1960, 2º Caderno, p. 8. / 2. Correio da Manhã, 8/1/1950, p. 11. / 3. Correio da Manhã, 9/2/1941, p. 19.


Nesse cenário, por volta dos anos 90, eram quatro os principais pretensos proprietário de terra, os “donos da Barra da Tijuca”: a Carvalho Hosken S/A, que reunia ainda como sócias a Barra da Tijuca Imobiliária S/A e São Fernando Empreendimentos Imobiliários S/A; a empresa saneadora Territorial Agrícola - ESTA, “primitivamente de Francis Walter Hime e, a partir de 1955, de propriedades de Tjong Aiong Oei, natural de Cingapura”; Pasquale Mauro, “nascido na Itália”, e Múcio Athaide, “advogado, às voltas com inúmeras questões na justiça, que hoje vive em Miami” (p. 56).


Ayrton Gonçalves ainda lembra que além desses quatro, houve também o caso do professor Raul d’Ávila Goulart, acusado de grilagens e atos ilegais, que era dono de grandes parcelas de terra na região.


A concentração de terras na mão de poucos e as histórias pregressas de violências nos leva a considerar se apenas o professor Goulart tenha agido à margem da lei.

A história da expansão urbana da Barra da Tijuca não foi feita apenas de lances mágicos e momentos felizes. Muitas pessoas sofreram com ela. Muita dor e violência foi infligida.

Essa história precisa ser contada.

 

[1] Vide o brilhante artigo escrito por Renato Dória sobre o assunto: “O Recreio antes do Recreio: vestígios da presença indígena e o morro do Rangel”. Blog do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá. Disponível em: http://ihbaja.blogspot.com/2022/01/o-recreio-antes-do-recreio-vestigios-da.html.

 

Leonardo Soares dos Santos é graduado (2003) em História pela Universidade Federal Fluminense, onde realizou também o seu mestrado (2005) e doutorado (2009) em História Social. Suas pesquisas versam basicamente sobre as relações entre o espaço rural e urbano e suas implicações em termos de políticas públicas e configuração de grupos sociais. Atualmente trabalha como professor e pesquisador no Departamento de Fundamentos da Sociedade do Instituto de Ciências da Sociedade e Desenvolvimento Regional do Polo Universitário da Universidade Fluminense, localizado em Campos dos Goytacazes. É membro-militante do Instituto Histórico da Baixada de Jacarepaguá desde 2010.

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