Maria dos Santos, Ana Vitória Soares e Patrícia Silva contaram como enfrentam os desafios da vida.
Por: Fernanda Calé, Gabrielle Teles e Rô Tavares.
Em cada cantinho do Brasil existe uma mulher que está construindo a sua história. E sempre foi assim. Nascida em Sobral, no Ceará, Maria Tomásia ajudou na luta pela abolição dos escravizados do estado. Pianista, compositora e maestrina, Chiquinha Gonzaga foi tão importante para o cenário musical que o Dia Nacional da Música Popular Brasileira foi criado em sua homenagem.
Outras mulheres também tiveram que dar o primeiro passo para que hoje pudéssemos ocupar nossos espaços de direito. Narcisa Amália de Campos é considerada a primeira jornalista profissional do país. A curitibana Enedina Alves Marques foi a primeira mulher negra no Brasil a se tornar engenheira. Rachel de Queiroz foi a primeira a ingressar na Academia Brasileira de Letras, e tantas outras que lutam diariamente para sobreviver, mas ainda enxergam beleza neste conjunto de experimentos que é a vida.
E são mulheres como essas que não ganharam destaques nas revistas e nem nos livros de história que a Agência Lume foi procurar. Moradoras da comunidade de Rio das Pedras, Zona Oeste do Rio, elas contam sobre suas vivências, desafios e, sobretudo, como ser mulher.
Celebrado no dia 8 de março, o Dia Internacional da Mulher é pautado em histórias de resistências que persistem até hoje – não mais pelo direito ao voto, como acontecia até o governo Vargas, mas ainda por condições iguais de trabalho e luta pela própria vida –. Nessa data, homenagearemos as mulheres que vieram antes de nós, as que estão representadas nesta matéria, as que nos cercam, as que somos e, infelizmente, as que não sobreviveram a triste estatística de uma mulher morta a cada sete horas no Brasil.
Maria dos Santos Oliveira, nunca é tarde para tentar
Maria dos Santos Oliveira, tem 76 anos e uma história de luta, nascida no interior da Bahia, na cidade de Serra Preta a pouco mais de 169 km de distância da capital Salvador. Nascida em família humilde, os pais plantavam e viviam do que a terra oferecia. Dona Maria é a terceira filha de 12 irmãos.
Mas a dificuldade de criar os filhos no interior da Bahia, não impediu que o pai da aposentada tentasse levar a educação aos filhos. Numa época em que o ensino era pago, Dona Maria da Penha conta que estudou por 2 meses:
"Eu tinha 10 para 12 anos, a gente conseguiu ir 2 meses somente, aí a gente saiu da escola. Meu pai disse que achava que era importante, mas depois disse que não tinha o dinheiro para pagar..."
Mas Dona Maria seguiu e foi buscando o que a vida lhe oferecia. Se casou aos 22 anos e teve 11 filhos, 2 mulheres e 9 homens. À Agência Lume, ela contou que naquela época o esperado era que a menina que ia se tornar moça se casasse ou tomasse conta do pai, e por isso ela assumiu o seu destino.
Os filhos cresceram e buscaram novos rumos e oportunidades. Maria diz que sempre apoiou e aconselhou a todos, até mesmo na hora de sair da Bahia e acompanhar os que vieram tentar a sorte no Rio de Janeiro. Em 2008, Dona Maria chegou ao Rio das Pedras, junto com seu marido, que acabou falecendo cerca de 1 ano depois.
Isso não fez a matriarca desistir de viver. Aqui no Rio, voltou a estudar, fez novas amizades e mantém contato com os filhos, com os 17 netos e 3 bisnetos. Atualmente a família de Dona Maria está dividida entre os estados do Rio de Janeiro, Bahia e São Paulo.
Mesmo com a distância, a aposentada incentiva as mulheres a não terem medo dos desafios da vida, e confessa uma vontade que precisou deixar de lado:
"Eu tinha tanta vontade de dirigir! De aprender a dirigir, mesmo morando no interior. Mas hoje eu vou aprender a dirigir? É bem difícil, mas a pessoa que quer, ela consegue."
Ana Vitória Soares, empreendedora aos 21 anos
Hoje cabeleireira e design de sobrancelhas, Vitória Soares não imaginava que essa seria sua profissão quando ainda cursava o ensino médio. Ainda que o amor pela estética já existisse, seu sonho era cursar odontologia. Ela tentou por um ano, mas não conseguiu. Então precisou seguir um “segundo plano”, pois precisava trabalhar.
Foi então que, aos 21 anos, Vitória decidiu abrir o salão que leva o seu nome. Na época, a jovem já havia se especializado na área e decidiu investir no estabelecimento com a economia dos empregos anteriores. Quem hoje conhece a boutique organizada e bem equipada, localizada na Rua Velha, em Rio das Pedras, que ainda conta com o trabalho de duas outras profissionais, não percebe o desafio que foi começar o seu próprio negócio.
“No começo as pessoas duvidam muito da sua capacidade e quando você é mulher parece que duvidam em dobro”.
Apesar das dificuldades, o Dia Internacional da Mulher é motivo de celebração, pois “ser mulher é um ato de resistência”, como diz a cabeleireira.
“É um dia muito importante pra lembrar que nós somos fortes, corajosas, e que podemos, sim. Estamos vendo todos os dias mulheres conquistando espaços que ela não podia. Hoje, o que mais vemos, principalmente na pandemia, são mulheres que começaram a ‘se virar nos 30’ pra conseguir sobreviver”.
Mais do que esse dia que relembra a luta e comemora a conquista das mulheres, a data para Vitória tem um significado igualmente forte.
“Me assumi trans aos 22 anos e foi no dia 8 de março, no Dia Internacional da Mulher, então pra mim é uma data muito importante”.
Ter, nesse momento, sua independência colaborou para que a empreendedora pudesse realizar os procedimentos. Vitória conta que aos 18 anos já se reconhecia como uma mulher trans, mas sabia que seria complicado, pois precisava de uma boa condição financeira para fazer o tratamento hormonal e acompanhamento com psicólogos.
Inspiração para muitas mulheres, Vitória teve dentro de casa alguém para se espelhar. Para ela, sua mãe é o “maior exemplo de personalidade, trabalho, foco e coração”. Como muitas jovens da nossa comunidade, a empreendedora apostou no seu objetivo e hoje, aos 25 anos, aconselha outras meninas a fazerem o mesmo:
“Estude, estude mais e cuide da sua saúde física e mental. Não desista, não ligue para o comentário dos outros. Qualquer sonho pode ser realizado”.
Patrícia da Silva, orgulho de ser quem é
Existem mulheres que são vistas como escandalosas, mas, se ser uma mulher escandalosa significa salvar vidas, Patrícia será sempre uma mulher que grita acordando todo mundo. Patrícia da Silva, 42 anos, nasceu na Paraíba, e foi criada pelos avôs no município de Alcântaras, no Ceará. Com 18 anos, em 1998 veio para o Rio trabalhar e começar a construir sua vida aqui, e também para ficar perto de sua mãe que já morava na comunidade de Rio das Pedras. Com a vida já estabilizada, Patrícia não esperava que fosse passar por algo tão forte e que seria preciso coragem e força para reerguer a vida.
No ano de 2006, no dia do pais, Patrícia estava acordada bem cedo quando sentiu um cheiro forte de fumaça, era um fogo que começava a queimar as casas no areal 2. Antes mesmo que tivesse tempo de retirar algo de dentro de casa, saindo apenas com seu filho, ela preferiu gritar acordando seus vizinhos, que ainda dormiam. Sempre vista por seus vizinhos como uma mulher que faz alarde por pouca coisa, foi ela quem salvou a vida de algumas famílias.
“Todo mundo falava: tu é escandalosa porque não pode ver nada que tá gritando. E naquele triste dia dos pais, aconteceu o incêndio e eu gritava muito. Enlouquecidamente, eu gritava”.
Por muito tempo, após o que aconteceu, Patrícia não conseguia passar pelo local onde o fogo destruiu quase 500 casas, suas lembranças eram de um dia aterrorizante, havia perdido tudo de material que conquistara em sua vida até ali, o mais importante era seguir e reconstruir. Depois de muito trabalho e luta, ela conseguiu erguer seu novo lar. Na época que tudo aconteceu, apenas um de seus três filhos já havia nascido, era João Victor, que hoje tem 20 anos e mora sozinho. Atualmente, ela mora com o marido e seus dois filhos mais novos, Paulo Vitor, de 16 anos, e Manoel, de 4 anos.
Desde pequena, Patrícia sonhava em ser aeromoça e viajar o mundo através da profissão:
"Meu sonho era ser aeromoça, apesar de hoje eu ter medo de altura, meu sonho era viajar, conhecer o mundo. Eu assistia aos filmes e chorava quando era adolescente, achava muito lindo”.
Durante sua primeira gestação teve que parar os estudos no 9°ano e pensa em voltar o quanto antes, mas agora com um objetivo diferente, ela quer se profissionalizar em outra área. No futuro pretende se aprofundar e cuidar de crianças com TEA - Transtorno de Espectro Autista, uma condição de saúde caracterizada por déficit na comunicação social e comportamento. Essa vontade cresceu após descobrir que seu filho caçula, Manoel, têm TEA, e com tantas coisas novas que vem descobrindo, Patrícia percebe a desinformação de algumas pessoas.
“Eu pretendo me especializar, eu quero me especializar, ajudar as pessoas, passar mais informação, porque tem muita gente ignorante nessa parte. Gente, o autismo não é uma doença, não é contagioso. Eles são muito mais inteligentes do que a gente”.
Como tantas mulheres Brasil afora, Patrícia da Silva se honra de ser quem é:
“eu me orgulho muito de ser mulher. Sempre falo isso, até aqui em casa pros meninos, porque, poxa, mulher aguenta muita coisa. Eu agradeço muito a Deus por eu ser mulher e aguentar muita coisa que eu já aguentei e tô aqui firme e forte.”
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