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O caso do Ipase: 50 minutos para a ocupação e os problemas das moradias populares em Jacarepaguá

Foto do escritor: IHBAJAIHBAJA

Atualizado: 3 de jun. de 2024

Na foto podemos ver um conjunto habitacional.
Conjunto Habitacional - IPASE. / Foto: Google Earth.

Por: Janis Cassília.

Mestre em História das Ciências e da Saúde / professora e pesquisadora do IHBAJA.

 

21 de abril de 1963, sábado, 23h40. Mais de cem veículos estacionaram em frente ao Conjunto Habitacional Juscelino Kubitscheck, mais conhecido como o IPASE de Jacarepaguá.

 
 

Em questões de minutos uma multidão, descarregou os seus pertences e adentrou os blocos, tomando posse de 125 apartamentos. A polícia foi chamada, mas ao chegar às 00h30 de domingo, não encontrou mais nenhum veículo sendo descarregado. Somente apartamentos ocupados por famílias numerosas (na maior parte por crianças pequenas) e em cujas portas estava escrito em giz “OCUPADO”.


Os ocupantes ameaçavam resistir caso os policiais forçassem a desocupação. O administrador do conjunto chamou a invasão de premeditada e organizada. Os novos moradores deram crédito apenas a si mesmos. Não falaram em líderes ou um movimento político específico. Falaram em um movimento coletivo, de pobres injustiçados por uma autarquia de quem são contribuintes. Diziam que há dois anos os seus pedidos tinham sido indeferidos. Denunciavam a preferência pelos pistolões políticos, os aluguéis dos apartamentos a terceiros que nada têm a ver com o funcionalismo público. A autarquia lhes negou justiça. Resolveram eles mesmos consegui-la. 


Inaugurado em 1956, o Conjunto Habitacional Juscelino Kubistchek, o popular Ipase, foi um projeto habitacional financiado pelo Instituto de Previdência e Assistência dos Servidores do Estado (Ipase) como parte de um projeto governamental para a solução de moradias populares dentro de padrões aceitáveis de higiene e saúde pública. Tal ideia vem desde o final do século XIX e ganhou força no século XX.


Após 1964, o problema das moradias populares ganhou impulso com investimentos na área. Foram os casos dos conjuntos habitacionais de Olaria e Realengo. Os projetos, elogiados à época pelas soluções de engenharia e arquitetura, foram manchetes em revistas estrangeiras. Através dos IAPs e dos CAPs (Instituto e Caixa de Aposentadorias e Pensões), o governo inaugurou as COHABs (Conjuntos de Habitações Populares Brasileiras).


A invasão do Ipase em Jacarepaguá expôs o problema deste sistema de moradias. Em tese, elas seriam destinadas aos servidores com menores salários, mas acabaram com aqueles mais favorecidos, os chamados “pistolões”, que alugavam essas residências por valores considerados altos. Na fila de espera, as famílias de baixa renda e com inúmeros dependentes viam o conjunto abandonado e habitado por homens solteiros, “bicheiros” e pessoas sem qualquer vínculo com o IPASE.

 
 

Eles eram na sua maioria, funcionários de baixos níveis das repartições e órgãos, pais e mães de famílias com, em média, 5 ou 6 filhos. Ao entrarem nos apartamentos, encontraram os prédios deteriorados, com infestações de ratos e baratas. Realizaram ligações clandestinas de energia e reivindicaram para si um direito que lhes havia sido negado.


O diretor do Ipase foi ao local ouvir os invasores. Numa postura de conciliação, os administradores do conjunto, junto com a diretoria do órgão decidiram mantê-los nos respectivos apartamentos ocupados. Eles passaram então da condição de “invasores” a “novos moradores”. Condição sempre contestada pelas autoridades quando havia ocorrência de irregularidades.


Em 1969, a Light decidiu cortar as luzes de todos os apartamentos por falta de pagamentos do Ipase. O administrador do conjunto culpava os “novos moradores-invasores”, pois os mesmos “não pagam aluguel nem as luzes”. Os moradores culpavam o IPASE pela não cobrança. Esta foi apenas uma de uma série de conflitos existentes entre os dois grupos.


Denúncias de assaltos, homicídios, atropelamentos e rachas foram algumas das que chegaram ao público. De um lado os funcionários dos correios e o restante dos moradores reclamando da fraca infraestrutura, péssimo sistema de coletas de lixo e a má conservação dos edifícios, culpando a administração ineficiente e o abandono do Ipase. Do outro o administrador do condomínio reclamando da permanência dos mesmos e o Ipase não repassando verbas.


Nos seis anos de diferença entre o episódio de chegada dos assegurados e suas famílias até o fim da década de 1960, a visão sobre o conjunto foi se modificando. O Ipase passou a figurar nas páginas dos jornais locais como um “reduto da pobreza”. Ao mesmo tempo, os novos moradores mobilizaram-se pelo espaço. Atuaram em diretorias políticas, em Jornadas Femininas, na construção de um colégio, torneios de futebol, bailes e festas públicas.


Sozinhos ou em conjunto com a administração do local. Os moradores do Conjunto Habitacional Juscelino Kubistchek atuaram de forma política em um sistema que os marginalizava. Reivindicaram não apenas sua moradia, mas a sua cidadania.

 

Janis Cassília é membro do IHBAJA. Graduada em História pela UFRJ. Mestre em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Professora da rede pública de São João de Meriti. Pequisa sobre a História da Psiquiatria no Brasil, com ênfase na Colônia Juliano Moreira (atual Instituto Municipal de Assistência à Saúde Juliano Moreira).

 

1 Comment


clauscloude
May 09, 2024

E eles ganharam o direito de posse? Sou de Jacarepaguá e sempre quis entender melhor como aquele conjunto habitacional foi sendo ocupado. Morei em um condomínio assim, mas destinado aos policiais civis. Foi uma política habitacional migratória? Houve muitos deslocamentos de grupos inteiros. Obrigada por sua pesquisa.

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